A manhã 'pós-impeachment' de uma "família de bem"
- Samuel Campos
- 19 de mai. de 2016
- 4 min de leitura

- Finalmente, pai! Nos livramos de um atraso! E ainda ganhamos de lavada, né? - Uma maravilha! Nunca estive tão feliz desde o final da Copa de 2002. Mas pudera, quem é Ronaldo Fenômeno perto desse "timaço" de patriotas do Congresso e do Senado?
- Com certeza, paizão. Por falar em "timaço" aproveita que tá mexendo no jornal e me passa a seção de esportes?
- Passo sim, mas antes chame sua irmã e a mamãe pra mesa, quero começar bem o dia lendo com todos essa tal "Ponte para o Futuro" do PMDB. Com mamãe, filhinho e filhinha presentes, o papai até encheu o peito para ler aquela "preciosidade visionária": - Bom, vamos ao primeiro ponto, "Política fiscal e orçamento": 'Novo regime orçamentário, com o fim de todas as vinculações de receitas.' - O que isso quer dizer, Papai? Perguntou a filha. - Ah, só mais um corte de gastos. Esse Estado tá muito inchado, né? Não, nada disso. Dito dessa forma, parece uma medida burocrática. Mas é simplesmente o fim de todo de todo o modelo de financiamento da Educação e da Saúde Pública brasileira.
- Olha esse aqui: "Criação de uma instituição que articule e integre o Poder Executivo e o Legislativo, uma espécie de Autoridade Orçamentária, com competência para avaliar os programas públicos, acompanhar e analisar as variáveis que afetam as receitas e despesas, bem como acompanhar a ordem constitucional que determina o equilíbrio fiscal como princípio da administração pública". Ótimo, grande medida pra cortar as despesas. Opa, não tão longe, companheiro. Isso foi recentemente aprovado no senado em uma votação relâmpago com muito pouco acesso ao contraditório. É mais uma medida do projeto de limitar o poder do executivo e criar um semi-parlamentarismo de fato. E observe que a composição do Parlamento não é nada "de bem". Além de levarmos em conta que "equilíbrio fiscal duradouro, com superávit operacional e a redução progressiva do endividamento público", significa, na prática, apenas a recessão e o desemprego permanente.[1]
- Outro ponto que me interessa, "Previdência e Demografia":
- "A maioria dos países desenvolvidos promoveram reformas nas regras de aposentadoria nas duas últimas décadas, mesmo com as naturais resistências políticas. As idades mínimas passaram de 60 anos para 65 e até 67. E, no futuro, vão aumentar novamente porque os jovens de hoje vão viver ainda mais.Além disso, é indispensável que se elimine a indexação de qualquer benefício ao valor do salário mínimo. O salário mínimo não é um indexador de rendas, mas um instrumento próprio do mercado de trabalho." Aí, ta vendo? Rumo ao desenvolvimento! Tá bem aqui no começo, "A maioria dos países desenvolvidos [...]". Sucesso!
Um pai como esse ninguém merece. Primeiro porque um dia também será aposentado, e, por causa dessa mudança, se aposentará ainda mais tarde! E pior, não terá atualização do valor seguindo a porcentagem de aumento do salário mínimo. Grande "desenvolvimento", não? - Papai, no final tem outros pontos resumidos, pula pra eles! - Ordenou a filha. - Tudo bem, vamos a eles: 1)Estender o Pro-Uni para o ensino médio; (com o objetivo de privatizar de forma muito mais generalizada o ensino médio.) 2)Não usar mais o excesso de rendimento do FGTS como fonte de recursos a “fundo perdido” subsidiar e financiar o programa ‘Minha Casa, Minha Vida’; (Na prática, isso levaria a um desemprego em massa na indústria da construção civil, e muito menos pessoas teriam acesso à casa própria.)
3)Fim do Regime de Partilha para o Pré-Sal; (Entenda aqui:http://www.cartacapital.com.br/especiais/infraestrutura/partilha-ou-concessao-entenda-as-diferencas-entre-os-modelos-de-producao-7119.html)
4)Fim do controle da Petrobrás sobre o Pré-Sal. (É o entreguismo declarado de Serra:http://www.pragmatismopolitico.com.br/2016/02/pre-sal-jose-serra-prometeu-a-chevron-que-entregaria-nosso-petroleo.html)
- Coisa boa! Essa Petrobrás aí só furtou o povo brasileiro, tem mais é que perder o controle mesmo, vai que esse PT consiga roubar mais! - depois dessa fala ouviu as risadas de todos.
- Papai, amei seus comentários, mas nós precisamos ir pra escola. Quando voltarmos você continua de onde parou, tudo bem? Tchau!
Infelizmente o diálogo acaba por aqui. As crianças vão para os seus afazeres estudantis, pai e mãe se direcionam para o trabalho e nenhum sinal de preocupação se nota. É, a ficha provavelmente vai demorar a cair. E é em meio a esses momentos que recorro à lucidez de Carlos Drummond de Andrade:
"É antes a hora dos corvos, bicando em mim, meu passado,
meu futuro, meu degredo;
desta hora, sim, tenho medo."
Essas novas medidas prejudicam em conjunto pai, mãe, filho e filha. E não me restrinjo ao nível ficcional: A grande vítima do golpe, antes do governo petista que já havia preparado terreno para alguma dessas medidas[2], é o coletivo de trabalhadores desse país. O aprofundamento da Agenda Neoliberal trará consequências dificilmente reversíveis no campo econômico e social do Brasil. Superar esse modelo deve ser pauta importantíssima a partir de agora em qualquer movimento que realmente vise um novo Brasil. A verdadeira "Ponte para o Futuro" se constrói de baixo (e com consciência política popular), se enganou quem achou que essa viria de algum gabinete em Brasília.
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