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Coluna do Samuel

OLD ☭ x ☮ NEW


A esquerda mundial, e sobretudo a brasileira, vê-se confrontada com o recrudescimento dos pensamentos de extrema-direita e o aprofundamento do neoliberalismo, em sua mais obscena forma. Historicamente, o espectro de "esquerda" origina-se na Revolução Francesa de 1789. Os Jacobinos, que se alocavam no setor esquerdo do parlamento francês, possuíam forte apelo das camadas médias, e, como é de se prever, daquela mais paupérrima, formada pelos Sansculottes: Movimento disforme, sobretudo urbano, de trabalhadores pobres, pequenos artesões, lojistas, artificies e pequenos empresários. Eram um ramo daquela importante e universal tendência política que procurava os interesses da grande massa de "pequenos homens" que existia entre os pólos do grande burguês e daquele setor social que viria a se tornar o proletariado (naquela época, na França, o proletariado ainda não tinha se individualizado e se separado da massa de pequenos artesãos e trabalhadores braçais), certamente mais próximo deste último. Essa tendência, aliás, pôde ser observada em outros cantos do mundo, como nos EUA (sob a forma de uma democracia jeffersoniana e jacksoniana, ou populismo), na Grã-Bretanha (radicalismo) e na Itália (com os mazzinianos e os garibaldinos).[1]


Parlamento francês: "A Montanha" e "A Gironda"


Contudo, o movimento dos Sansculottes também não forneceu nenhuma alternativa real. O seu ideal, um "passado dourado" de aldeões e pequenos artesãos ou um "futuro dourado" de pequenos fazendeiros e artificies não perturbados por banqueiros e milionários, era irrealizável.[2] O desafio presente, no entanto, não é a instalação do "inovador" liberalismo, que possui como suporte o individualismo e que se mostra cada vez mais perverso. Mas o contrário: a superação desse sistema por uma via realmente transformadora e popular.


E foi o "Breve Século XX" o grande palco das mais conhecidas tentativas de superação. A começar pela Revolução Russa de 1917, protagonizada por um país da periferia do capitalismo e liderada pelo "homem mais influente do século"[3], Vladimir Ilitch Lênin. Os soviéticos em sua época apresentaram uma rota de escape para os demais países, e atualizaram a teoria marxista mecanicista da II Internacional (ou Internacional Social-Democrata), que negava a insurgência de uma revolução em um país que não tivesse desenvolvido suas forças produtivas.


Lênin discursando nas vésperas da Revolução


Outro marco importante, e que "bebe da mesma fonte" dos revolucionários soviéticos, é a Revolução Chinesa, de 1949. Perpetrada majoritariamente pela classe camponesa, a revolução foi o divisor de águas para o país agrário e servo das potências estrangeiras. Atualmente, a China é de importância ímpar para a economia mundial, e o é, certamente, por conta do esforço daqueles que na Longa Marcha enfrentaram as forças reacionárias do ocidente que estavam unidas com as de seu próprio país.


"The Long March" - Completará em novembro desse ano 67 anos


Outros exemplos poderiam ser melhor trabalhados nesse início, como a Revolução Cubana e a Coreana, mas não pretendemos nos estender tanto. O fato é que essa "velha-esquerda" (ou "Old-left"), foi o segmento que deu embasamento teórico e prático para toda uma geração, levantou inúmeros protestos e enfrentou o imperialismo com todo vigor. Hoje, infelizmente, é tomado como "ultrapassado, arcaico e desatualizado" por setores que não estão preocupados com o estudo da realidade concreta e que pouco contribuem para uma real transformação dela.


Manifestação operária durante a greve de 1917, no bairro paulistano do Braz. O protesto foi motivado pelo enterro de um grevista morto pela polícia

Nomeamos esses setores de "nova-esquerda" (ou "New-Left/N-L"), e nos referimos aos movimentos políticos de esquerda surgidos em vários países a partir das décadas de 1970-80. Caracterizados por centrarem-se em questões sociais como o feminismo, o ambientalismo, o ativismo pacifista, o anti-racismo e etc, também chegaram a dar importância às questões econômicas, porém as deixaram de lado com o passar do tempo. E esse, certamente, foi seu maior "tiro no pé".


Grande parte da "New-Left" atualmente rejeita a totalidade da teoria histórica do marxismo, optando até por rejeitar a luta de classes. Embora reconheçamos que uma parte se atrai pelas variantes do marxismo (ainda que pinçando "aqui e acolá" o que pode lhe servir).


"É tipo o socialismo...mas sem socialismo. Deu pra sacar?"


Historicamente, nos Estados Unidos, associamos com o movimento "hippie" e os movimentos de protesto 'anti-guerra' dos campus universitários. No Canadá, as idéias da "nova-esquerda" foram discutidas e praticadas pelas seguintes organizações: 'União dos Estudantes de Ação de Paz', 'União Canadense de Alunos', 'Estudantes da Universidade Democrática' e 'União Geral dos Estudantes de Quebec' - entidades altamente descentralizadas que estavam ativas em uma base regional. Entre as questões levantadas pela "Canadian New-Left"(CN-L) estavam: desarmamento nuclear, a organização da comunidade, a multi-diversidade, o controle americano da economia, a composição da classe trabalhadora, o separatismo de Quebec e a desigualdade sexual. Após a Crise de Outubro (1970) a CN-L caiu em desordem* pela falta de ligação com as organizações da classe trabalhadora e pela falta de um programa sustentado por uma estratégia de mudança social.


Acampamento Hippie dos anos 70 - Estados Unidos

Mais de 10.000 estudantes saíram às ruas no dia 21 de Outubro de 68, em Montreal, reivindicando melhorias na educação em Quebec.

Já no Brasil, o Partido dos Trabalhadores (PT) era considerada a principal organização a emergir da 'nova-esquerda' no Brasil, já que decidiu tentar algo "novo", buscando o apoio na CUT e em outros movimentos sociais. Seu desafio foi "combinar as instituições da democracia liberal com a participação popular pelas comunidades e movimentos", segundo Manuel Larrabure. No entanto, tem sido criticado (e com razão) por suas "alianças estratégicas" com a direita após a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, mais precisamente após 2005. O partido se distanciou dos movimentos sociais e das organizações juvenis, e, para muitos , o modelo petista já atingiu os seus limites.

Lula e Leonel Brizola em comício, 1989


E é necessário lembrar que consideramos todos os pontos levantados como denúncia pela N-L como resultado da Luta de Classes. Sendo assim, propostas de solução que apenas toquem em um ou outro ponto qualquer, e que coloquem o indivíduo e não sua classe social como o foco da luta, não solucionarão o problema em sua raiz.


E esse é o equívoco na análise pós-moderna. Ela traz uma "radicalização" do subjetivismo, do relativismo e do individualismo. Tudo passa a ser discutido a partir da percepção subjetiva. E essa radicalização é facilmente instrumentalizada pela sociedade do consumo. A máxima "cada um tem sua opinião" ser equiparada a "gosto não se discute", demonstra que 'opinião' e 'gosto' foram transformadas em sinônimos, e as 'opiniões' carecem naturalmente de fundamentação, assim como os 'gostos'. O resultado é a fragmentação de tudo e um dano estrutural imenso na perspectiva materialista e classista. A opressão e a exploração deixam de ser objetivas e passam a ser subjetivas num mundo cuja ideologia trabalha incessantemente para criar nas pessoas oprimidas ilusões de não-opressão.


Desconsiderar a Luta de Classes e fazer apenas um recorte individual que apenas tangencia os aspectos mais profundos dos problemas do capitalismo não devem ser exemplo de militância. Pelo contrário, ao não dar uma via alternativa ao pensamento liberal e ao capitalismo, alia-se então a ele, contribuindo somente para os "remendos" de um modelo de sociedade decrépito.


Como consequência disso, a assim chamada "nova-esquerda" constrói o pensamento anti-comunista, negando as conquistas e deixando de reivindicar figuras centrais do século passado, como Mao Tsé-Tung. O "Grande Timoneiro", como era chamado, tem contribuições fantásticas para a teoria da organização revolucionária e da luta política. Do ponto de vista da obra de Mao, sua grande contribuição foi o uso criativo, não dogmático, do marxismo frente a realidade nacional chinesa. Mao conseguiu não aplicar "receitas de bolo", fórmulas prontas ou estratégias e táticas genéricas que servem para todos os países. Estudou a formação social chinesa, compreendeu as particularidades de sua estrutura de classe, as melhores formas de luta e política de alianças. Enfim, o maoismo - entendido como pensamento e ação de Mao - é a expressão do marxismo frente a uma realidade colonial, agrária e tendo os camponeses como principal classe explorada.


E ao contrário do que enuncia a camarilha anti-revolucionária, a expressão das ideias comunistas cresce a cada dia mais, seja nos países centrais do capitalismo ou mesmo na periferia dele. Alguns dos partidos exemplos são:

Partido Comunista do México (PCM)


Partido Comunista da Itália (PCd´I)


Partido Comunista Brasileiro (PCB)


Partido Comunista Grego (KKE)

Partido Comunista Português (PCP)

E as recentes manifestações na França mostram-nos que o acirramento da Luta de Classes no mundo se mostra cada vez mais notório. A diferença é que lá os manifestantes enfrentam os órgãos institucionais e levam milhões às ruas de Paris. Aqui, ao contrário, os movimentos se interessam mais pelo confronto "artístico", que traduzido para o bom português significam atuações contraproducentes, já que não dialogam com base social ampla e, por vezes, só "queimam o filme" de toda a esquerda. Manifestações na França contra o ataque aos trabalhadores

Estivadores em greve bloqueiam o Porto de Le Havre na França contra a reforma trabalhista de Hollande/Valls

Enquanto isso, após o golpe que instituiu o governo interino de Temer, a destruição contínua da Petrobrás e a aceleração de retrocessos em todas as esferas públicas, o último protesto "combativo" no Brasil foi o "bundaço":


Para finalizar, é bom lembrar que as pautas que se direcionam para os Direitos Humanos, como as que fazem parte dos movimentos feministas e LGBT's, não são desconsideradas pelas organizações comunistas mundiais (em exceção do KKE, que recentemente adotou uma posição retrógrada em relação ao casamento gay[4]). Negar a história, certamente, não é uma maneira de reconstruir a esquerda, principalmente se tratarmos daquela revolucionária. Rejeitar, por exemplo, os avanços adquiridos pelos mulheres e homossexuais na URSS, não é sinônimo de "projeto de renovação ao totalitarismo", mas um grande passo para trás: - Salário igualado aos dos homens para as mesmas funções; - direito ao aborto; - descriminalização da homossexualidade; - inserção da mulher na produção com os direitos trabalhistas também recém-adquiridos;

- criação do Genotdel, órgão do partido para tratar das questões da mulher, e presidido pela Alexandra Kollontai;

- eleição da primeira mulher presidenta do mundo - Khertek Anchimaa-Toka, na República de Tuva. Desse modo, acreditamos na reconstrução da esquerda revolucionária, que incipientemente mostra suas alternativas ao redor do globo. Alternativas que só se estabelecem a partir da crítica e, principalmente, da autocrítica. E é essa última que tanto faz falta para a "new-left". Portanto, se esse setor tiver como ambição a disputa política terá de voltar a ler e estudar o que realmente se passa no cenário político, pois, caso contrário, o futuro que nos está reservado não se mostra nada próspero.




[1]-[2]: Livro "A Era das Revoluções, 1789-1848; Autor: Eric J. Hobsbawm"

[3]: Embora também tenha sido enfraquecida pela incursão de grupos patrocinados pelo governo (por exemplo, A Sociedade dos Jovens Canadenses, que foi criada para apoiar, incentivar e desenvolver programas de desenvolvimento social e econômico reforma);

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