top of page

Coluna do Samuel

Resposta ao New x Old: do que temos a aprender com as teorias e com nós (e os nós)

O texto abaixo é motivado pelo texto Old x New. Texto escrito pelo Caio e Samuel, dois alunos, que compreenderam elementos das teorias sociais contemporâneas que só as entendi recentemente, embora as estude há alguns anos, mesmo que não de maneira sistemática.


Neste texto levemente humorado, meus queridos alunos confrontam o Marxismo às teorias do Pós (Pós-estruturalista, Pós-Moderna, Pós-Colonial) e suas consequências nas práticas políticas dos Movimentos de Esquerda denominando-os de “New-Left”


Defendem o primeiro em detrimento a tais teorias, tocando em pontos cruciais, mas ignorando outros tantos. Convidado a opinar, decidi escrever este texto, não para discordar frontalmente deles, mas para chamar a atenção para determinados nós de seus posicionamentos. Lembrando o que de melhor, em meu entendimento, foi ensinado por Karl Marx, de que é o confronto entre teorias que nos arma criticamente para agir na realidade, tentarei entender com meus meninos, os nós destes pensamentos. Alerto, que a forma do texto, não é nem acadêmica e nem cronista, trata-se pois de um exercício livre, sem citações e referenciações diretas, pois me faltaria tempo, o que lhes peço desculpas. Mas será um apanhado daquilo que entendi em meus estudos e daquilo que penso, seja a contribuição das teorias do Pós, para a lutada da esquerda, seja ela revolucionária ou não. Entendendo que o marxismo é uma corrente aberta, dialética (e dialógica, no sentido Bakhtiniano), portanto, não um corpo doutrinário fechado em si.

Fazendo um breve histórico, podemos afirmar que as teorias pós-modernas, nascem da crise do pensamento social, não apenas do Marxismo, em fins da década de 60. Em suma, havia uma percepção de que grande parte das questões sociais passavam de um modo ou de outro pela questão da linguagem. Ou seja, fosse como fosse, não havia teoria sem discurso, nem tão pouco ação humana sem discurso, logo, a linguagem, não a economia deveria/poderia ser o centro das análise sociais. Em suma, era o oposto do que Marx chamava atenção no século XIX, trazendo para o centro das ideias hegelianas a questão da luta pelo controle dos meios de produção, ao longo da história, e a centralidade da economia como o motor da história, por meio da luta de classes.


Como o texto dos meninos contextualiza relativamente bem a questão e sem precisar cair em uma explicação de todo o desenvolvimento da pós-modernidade - para os quais indico dois textos: "A ilusão do pós-modernismo", Terry Eagleton e "As origens da Pós-Modernidade", de Perry Anderson, ambos historiadores de matriz marxista - pretendo discorrer sobre alguns pontos das críticas feitas pelos jovens.


O primeiro ponto diz respeito a questão de que acusam as teorias de deixaram de lado a questão econômica. Eles tem razão em afirmar isto, bem como, as teorias pós modernas discordam das ideias de totalidades, sejam quais forem. Como o Marxismo tem algum componente de “totalidade”, passa a ser um dos grandes alvos destes teóricos. Além disso, o fracasso de algumas das experiências reais do socialismo, faz com que estes teóricos, gastem mais energia criticando a esquerda (sobretudo a tradicional), que a própria sociedade capitalista.


É preciso levar em conta, no entanto, que isto não é unânime entre os autores, alguns deixaram de lado a questão econômica, porém outros trouxeram a questão econômica para um lugar central. Mas para além disso, a grande contribuição destas teorias é chamar a atenção para a importância de que os aspectos simbólicos poderiam (eu disse poderiam) ser considerados como centrais, ao lado das questões econômicas sem que uma tenha que obrigatoriamente determinar a outra. Deste modo, chamam a atenção para o discurso como elemento central da construção econômica. Dentre estes teóricos, temos sobretudo latino-americanos que pautam a noção de colonialidade (não colonialismo) e conseguem, com certa competência, colocar lado a lado o marxismo e os pós, para discutir a especificidade da América Latina. Para compreender brevemente o que digo, cito brevemente um destes teóricos, o palestino Edward Said, para quem o ponto cego de Marx é não reconhecer a centralidade do racismo para a construção do capitalismo. Faz isso não como quem diz, veja, Marx é uma besta, que não consegue perceber o racismo, por isso, devemos invalidar seus postulados, mas para abordar a importância de compreender que o Sistema Colonial e o Capitalismo não são sistemas díspares, mas complementares, sendo que o primeiro fez circular as mercadorias pelo mundo, de tal modo a favorecer o acúmulo de capital nas metrópoles, fundando assim as bases da revolução industrial. E tal sistema foi escravista, construído com um forte discurso de conteúdo racial/racista (nós, os superiores europeus, civilizando o mundo).


Edward Said


Do ponto de vista teórico, este elemento é tão importante quanto as questões de gênero, em que aliado a noção de classe, se passa a discutir a especifidade da mulher dentro da classe trabalhadora. É preciso lembrar, que as organizações de esquerda, embora lutassem pela liberdade, eram misóginas, homofóbicas, racistas. Não em todos os lugares e do mesmo modo, mas com maior ou menor intensidade em cada um destes elementos, a depender do momento e do lugar. A grande questão é, como falar em emancipação humana, se reproduzimos diariamente a opressão dentro de nossas fileiras. Como defender a universalidade das ideias de esquerda, se não consideramos as especificidades da exploração.


Os desvios da esquerda em nada tem a ver com Marx. Mas com condicionantes sociais e culturais que lhe impõem certas dificuldades de se compreender a si mesma. No entanto, nem Marx ou Lênin eram machistas per si, embora seu seguidores o tenham sido, e continuam sendo. Tais teorias se não resolvem os problemas objetivos da luta de classes, podem, se bem compreendidas, ampliar a percepção e o humanismo que deve estar presente em toda e qualquer escola socialista, nos tornando ao menos mais coerentes com nossos postulados.


Quando meus meninos dizem que a New Left apenas faz manifestações artísticas ou são imprecisos ou se encontram distantes da realidade. Nos últimos anos, nasce dos pulmões dos Movimentos menos tradicionais o grande fôlego dos Movimentos Sociais e Políticos de Esquerda. Também devemos lembrar, que na década de 60, as organizações tradicionais de esquerda, submetidas ao controle do Comitê Central Soviético, não reagiam à crise do Estado de Bem-Estar Social, sobretudo na Europa. E foi justamente os jovens, leitores dos autores que faziam a crítica ao Marxismo a partir das questões culturais, que melhor responderam nas ruas ao sistema. Mesmo no Brasil, o PCB, ficou imobilizado diante do golpe de 64, o que obrigou a juventude a se organizar em outros espaços, em outras organizações, furando o cerco apático dos “old school” e culminando em todo um processo de reconstrução da esquerda no Brasil pós-ditadura e na refundação do próprio PCB mais recentemente, bem como na consolidação de seu co-irmão PCdoB.

Mao Zedong recebendo um dos fundadores do PC do B - João Amazonas


Para citarmos alguns exemplos deste ativismo, podemos citar as jornadas de Junho, que se iniciaram com o voluntarismo do MPL, mas também devemos lembrar, que as ações das mulheres, neste ano de 2016 são muito mais expressivas, constante e organizadas do que de vários outros setores da sociedade. E a primeira derrota do Governo Golpista do Temer nasceu a partir das ocupações dos artistas. A ação de grupos não tradicionais e mais horizontalizados nas escolas secundárias, promove há mais de um ano, uma afronta diária e constante ao sistema capitalista, enquanto as organizações tradicionais, ficam à espreita ou são conduzidos por esta energia conjuntural.

Movimento Passe Livre - MPL

Diria que todas estas manifestações são fruto da nova esquerda, enquanto a velha esquerda, acaba teorizando demais, brigando demais, burocratizando demais e compreendendo as mudanças comportamentais, de organização, de percepção, lentamente. O que em nada inviabiliza a crítica de que é preciso qualificar esta nova esquerda com elementos teóricos mais profundos e objetivos.


É, sim, preciso colocar no centro do debate a luta de classes, mas é impossível trazer este debate à tona, de maneira verticalizada, como se fosse possível ter a hegemonia (Gramsci), só porque defendamos a suposta pureza do Marxismo-Leninismo. Será preciso descer, ir ao debate, convencer, ser convencido e ouvirmos uns aos outros, pois o caminho aberto pela “new left” não tem retorno, assim como suas práticas e suas percepções, serão um espectro sempre presente nos debates na esquerda.


É preciso também, e por fim, chamar a atenção para a questão da autocrítica, com a qual tenho completa concordância. É preciso que se faça constantemente a autocrítica na “new left”, mas também nos partidos da esquerda tradicional, que tem justamente esta dificuldade. Diferente da Direita para quem nada disso interessa, a não ser a conta bancária, a autocrítica deve ser feita por nós, defensores da transformação da sociedade capitalista e do socialismo.


Por exemplo, sem dúvida penso que Lênin, Mao, Che, Fidel, dentre outros são fundamentais para se compreender o passado da esquerda e aprender com seus sucessos e fracassos. No entanto, não se pode trazer nenhum deles e aplicar indiscriminadamente à atualidade. O que é um proletário na Rússia ou camponês na China do Século XX, nada tem que ver com os seus análogos brasileiros do século XXI. Disse análogos, porque não há camponês, em geral (disse em geral), puro nos dias de hoje, nem proletário genuíno. Também há de se reconhecer novos componentes como a questão do consumo ou da religiosidade pentecostal nestes sujeitos, que são questões da ordem discursiva-simbólica, mas que atravancam o processo político.


Por fim, nossas organizações tradicionais, tem de reconhecer que falam para pouquíssima gente, que mais brigamos entre nós, do que conseguimos conquistar corações e mentes. Em sua maioria, ou lemos pouco, ou lemos mal a teoria marxista, e nos precipitamos em tomar partidos em falsas polêmicas como a disputa eterna entre stalinismo e trotskismo. Debate carregado de paixão, em que gastamos nossa energia e perdemos força diante do capital. Somos os perseguidores de nós mesmos, quando deveríamos procurar o que nos une.


De qualquer modo, o principal ponto é fazer a autocrítica para incorporarmos elementos importantes das teorias pós-modernas, voltarmos a Marx para compreender a estrutura capitalista, mas irmos a frente, discutindo as questões contemporâneas, específicas de nosso tempo e de nossa gente, com quem temos compromisso.


Lembrando sempre, que a teoria pode nortear nossa ação, mas nunca será capaz de conseguir lidar com o fluxo desse grande e caudaloso rio amazonas que é a realidade, que nos impele e empurra a um destino eternamente desconhecido, queiramos nós ou não. Afinal foi ou não Marx quem disse, algo mais ou menos como, os homens (ops*) fazem a história (opppps), embora não saibam conscientemente (ups ops, aps) de que história se trata.


* São os termos que meteriam horror aos pós mais radicais, mas que devemos compreendê-los em seus valores essenciais**, mais que significantes.

** Outro termo que desesperaria os pós-modernos, é difícil escrever assim!

bottom of page