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Coluna do Samuel

Brexit: Como fica a classe trabalhadora?


Os últimos dias serviram para fomentar debates necessários sobre o que é e para que serve a União Européia (UE). O acontecimento da vez, ao invés de colocar no centro a problemática dos países periféricos europeus, se trata da debandada Britânica do bloco, ou "Brexit", como ficou conhecida. O debate torna-se mais interessante quando setores do mesmo espectro político dividem opiniões. Fica evidente a necessidade de analisar tudo isso criticamente, e a partir de agora garantir as ferramentas certas para a defesa não do capital, mas da classe trabalhadora europeia, e, no momento mais imediato, da britânica.



ANÁLISE CERTEIRA E QUE PERDURA


Para contextualizar, julgo conveniente partir deste artigo de Lênin, escrito em 1915:"Naturalmente, são possíveis acordos temporários entre os capitalistas e entre as potências. Neste sentido são possíveis também os Estados Unidos da Europa, como acordo dos capitalistas europeus... sobre o quê? Unicamente sobre como esmagar conjuntamente o socialismo na Europa [...] Na atual base econômica, isto é, no capitalismo, os 'Estados Unidos da Europa' significariam uma organização reacionária."


Lênin trabalhando no Kremlin em 1918.

Esse texto, no ano passado, fez 100 anos. E mesmo considerando as diversas mudanças que a virada do século proporcionou, a UE é, essencialmente uma organização imperialista esquematizada para proteger o capital europeu de seus rivais (EUA, Japão),dos povos oprimidos que exploram no exterior, e das classes trabalhadoras locais.


Mais do que isso, característica importantíssima para se entender a União Européia é a sua estrutura interna de funcionamento, ou seja, seu caráter neocolonial que toma para si o controle da soberania nacional e da política econômica e social dos países periféricos da Europa em prol do capital alemão, francês e inglês (e impõe a destruição do Estado de Bem-estar social como política continental)*.


COMO LIDAR, NO ENTANTO, COM O SENTIMENTOS DISCRIMINATÓRIOS?


Ocorre que, também adotando um sentimento de oposição à UE estão os xenófobos, os islamofóbicos, os anti-imigrantes e até os que carregam sentimentos puramente imperialistas e nacionalistas, pedindo um retorno aos dias da "glória imperial" quando a Inglaterra 'dominava os mares' sozinha. Essas falsas convicções são frutos das contradições notórias que se constroem em meio a uma profunda crise econômica. O dever urgente da esquerda britânica (e principalmente dos socialistas) é capitalizar para si os gritos revoltosos. E se trata de uma situação delicada, pois a fácil capilarização do discurso raso e discriminatório fica evidente não só na Grã-Bretanha, mas em toda a Europa. Demonstrar, portanto, que os reais inimigos não são os refugiados ou os indivíduos que simplesmente possuem outra religião é uma tarefa árdua, mas amplamente necessária.


E vale destacar ainda que, recentemente, a autora Lisa Mckenzie investiu nas pesquisas em debates nos seios das comunidades trabalhadoras da Grã-Bretanha. Segundo ela, "o debate do referendo nessas comunidades não é sobre imigração, é sobre precaridade e medo."[1] Sob esse ponto de vista, percebemos que o "alarmismo" desesperado de alguns não faz tanto sentido. Uma análise séria compreenderia que, por exemplo, as comunidades mineiras, que ficaram famosas por confrontar o neoliberalismo thatcherista[2], também estão preocupadas com a falta de emprego fixo e pago decentemente, a perda dos "pubs" e o empobrecimento que voltou para o norte.

Greve de mineiros, 1984 (data peculiar, não?)


A PERDA DOS DIREITOS TRABALHISTAS


Tratando agora dos setores trabalhistas, a líder sindicalista Frances O'Grady e o líder trabalhista Jeremy Corbyn se colocaram na posição anti-Brexit, tentando convencer os trabalhadores a permanecer no bloco, dizendo que uma saída britânica significaria perda de direitos e que a UE é benéfica. O'Grady afirmou: "Se deixarmos a UE você confia no atual governo conservador para manter os direitos dos trabalhadores? Se o Brexit se suceder, o governo britânico irá começar a escolher quais os direitos mandarão água abaixo ou sucatearão completamente[...] sem uma rede de segurança jurídica da UE não demoraria muito para maus empregadores começarem a cortar férias pagas, forçar os trabalhadores a trabalhar mais horas, com menos intervalos, e retirar a licença de trabalhadoras grávidas[...]."


Frances O'Grady


Jeremy Corbyn


Talvez Frances tenha se "esquecido" que os trabalhadores da Grécia, cujas pensões e benefícios foram dizimados, cujos portos foram privatizados, podem ter algo a dizer sobre a tal "proteção aos direitos trabalhistas" que a UE oferece! O projeto neoliberal de Merkel imposto aos gregos entrega toda a sua soberania, supõe a colonização da Grécia.


O jovem primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, defendia manter-se na União Europeia e pedia sua 'democratização', mesmo sabendo que o capital alemão não se entrega pela retórica rebuscada. Ao chegar ao governo constatou o que qualquer bom observador sabia: o capital alemão exigia no mínimo rendição total.[3]



Sobre o papel do Syriza, James Petras, professor e sociólogo norte-americano, mantém um realista julgamento: “tenho quase 58 anos de militância e nunca vi uma traição tão profunda a um povo inteiro”.

CONCLUINDO: SER PRÓ-BREXIT OU ANTI-BREXIT?

Começo a conclusão lembrando que o Brexit não deve ser saudado como um "movimento contra-hegemônico". Certamente teria sido muito melhor se a esquerda conseguisse ter feito frente nesta campanha ao invés dos agrupamentos de extrema-direita britânicos. Porém, é taticamente proveitoso enfraquecer a UE, e não há certeza de que após a dissolução do bloco algo melhor virá, lembremo-nos que o mecanicismo marxista morreu com a II Internacional. O que podemos fazer é apostar nas possibilidades que se apresentam.

David Cameron, do Partido Conservador


Desse modo, a saída do Reino Unido da UE precipita o questionamento da permanência na União em outros países. A probabilidade de isso afetar as instituições europeias não é baixa: A União Europeia vai continuar, por exemplo, aplicando sanções à Rússia tranquilamente enquanto sua economia e estrutura se arrefecem? Ou até mesmo vai continuar extorquindo Grécia, Portugal, etc., sem nenhuma reação desses países? Quando o governo francês tenta impor à classe trabalhadora uma reforma trabalhista nos moldes que as instituições da UE recomendam, a saída do Reino Unido não tem impacto algum? Todas essas contradições estão se acirrando! Em si, elas não apontam para uma saída naturalmente progressista, mas essa é a tarefa do elemento consciente, não da realidade! Quem for esperar que a realidade mecanicamente se alinhe na posição mais favorável, jamais verá grandes transformações.

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