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Coluna do Samuel

A Jornada de Trabalho


Capítulo VIII - d'O Capital, Karl Marx

Uma vez nascido, o capital tem necessidade de se alimentar para se desenvolver; e o capitalista, que só vê, daí por diante, a vida do capital, cuida com carinho das necessidades desse ser, que se tornou seu coração e sua alma, e encontra o meio de satisfazê-las.


O primeiro meio empregado pelo capitalismo no interesse do seu capital é o aumento da jornada de trabalho. Mas é claro que a jornada de trabalho tem seus limites. Antes de mais nada, um dia só se compõe de vinte e quatro horas; depois, dessas vinte e quatro horas diárias, é necessário deduzir um certo número delas que o operário deve utilizar na satisfação de todas as suas necessidades físicas e morais: dormir, alimentar-se, restaurar suas forças, etc.


As possíveis variações da jornada de trabalho não vão, portanto, além do círculo formado pelos limites impostos pela natureza e pela sociedade. Mas, esses limites são também muito elásticos, permitindo maior extensão. Tanto achamos jornadas de trabalho de dez, como de doze, quatorze horas, isto é, com as durações mais diversas.

O capitalista comprou a força de trabalho por seu valor de uma jornada. Adquiriu, pois, o direito de fazer o operário trabalhar o dia inteiro a seu serviço. Mas, o que é uma dia de trabalho? É, certamente, uma coisa menos longa do que um dia natural. Quanto? Sobre esse limite necessário da jornada de trabalho, o capitalista tem sua maneira de ver especial: O tempo durante o qual o operário trabalha é o tempo durante o qual o capitalista consome a força de trabalho comprada. Se o assalariado consumir para si mesmo o tempo disponível, o capitalista estará sendo "roubado" pelo trabalhador que quer o privilégio de poder chegar em casa e aproveitar as horas que lhe restam.

Cômica essa inversão do processo de retirada de mais-valia, não é?

O capitalista se apoia, consequentemente, na lei da troca de mercadorias. Como qualquer outro comprador, ele procura tirar do valor de uso de sua mercadoria o maior lucro possível. Mas, de repente, se eleva a voz do trabalhador, que diz:


- A mercadoria que eu te vendi se distingue da multidão das outras mercadorias pelo fato de que o seu uso cria valor, um valor maior do que o custo dessa mercadoria. Foi por esta razão do que a comprou. O que te aparece como valorização do capital é para mim um excesso de dispêndio de força de trabalho. Você e eu só conhecemos no mercado uma única lei, a da troca de mercadorias. O consumo da mercadoria não é feito pelo vendedor que cede, mas pelo comprador que a adquire. Pois a você pertence o uso de minha força de trabalho diária. Mas, é preciso que, por meio do seu preço de venda diário, eu possa reproduzi-la diariamente para vendê-la de novo. Abstraído o uso natural pela idade, etc., é preciso que eu continue capaz de trabalhar amanhã como hoje, nas mesmas condições normais de força, saúde, e disposição. Você me prega sempre o evangelho da economia e da abstinência. Muito bem! Como administrador sensato e econômico de minha única fortuna, a força de trabalho, eu quero economizá-la e abster-me de toda prodigalidade excessiva. Dela eu só quero pôr em movimento e converter em trabalho, diariamente, a quantidade compatível com sua duração normal e o seu desenvolvimento regular. Pelo aumento exagerado da jogada de trabalho, você pode empregar, num só dia, uma quantidade de minha força de trabalho maior do que a que eu posso reproduzir em três dia. O que você ganha assim em trabalho, eu perco em substância de trabalho. Ora, o uso de minha força de trabalho e o roubo dessa força são duas coisas muito diferentes. Supondo que o período médio da via de um operário médio, sujeito a uma norma razoável de trabalho, seja de trinta anos, e que você consuma em dez anos a minha força de trabalho, só me pagas um terço do seu valor diário e me roubas, diariamente, dois terços de minha mercadoria. Paga uma força de trabalho de uma jornada, enquanto consome uma de três jornadas. Peço, portanto, uma jornada de trabalho de duração normal, e a peço sem apelar para o teu coração, pois em questões de dinheiro não há lugar para o sentimento. Podes ser um burguês modelo, talvez membro da Associação Protetora dos Animais e, ainda por cima, com um cheiro de santidade: mas, a coisa que representas em relação a mim não tem coração batendo no peito. O que parece palpitar aí são as pancadas do meu próprio coração. Reclamo a jornada normal de trabalho, porque reclamo o valor de minha mercadoria, como qualquer outro vendedor.


Como se vê, abstração feita de limites muito elásticos, não há nada, na natureza em si da lei da troca de mercadorias, que imponha um limite à jornada de trabalho e, por consequência, um limite ao sobre-trabalho. O capitalista não faz mais do que exercer o seu direito de comprador quando procura prolongar o máximo possível a duração da jornada de trabalho, quando de um jornada de trabalho ele procura fazer duas (ou três). Por outro lado, a natureza especial da mercadoria vendida impõe limites ao seu consumo pelo comprador, e o operário não faz mais do que exercer o seu direito como vendedor, quando quer restringir a jornada de trabalho a uma duração normal determinada. Há aqui, portando, uma antinomia, direito contra direito, ambos trazendo, igualmente, o selo da lei que regula a troca de mercadorias. Entre os dois direitos iguais é a força que decide.


Como age a força que hoje pertence ao capital e funciona ao seu serviços, os fatos que irei expor dirão.



Eis como o capital explora e martiriza o trabalho. Os trabalhadores se coligam e pedem ao poder social a fixação de uma jornada normal de trabalho. Compreende-se facilmente o que podem obter, se se considera que a lei deve ser feita e aplicada por esses mesmo capitalistas contra os quais os operários quereriam prevalecer-se.

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