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Coluna do Samuel

Dia de reconhecer os privilégios



Me senti invadindo e sendo invadida. O primeiro porque tive a sensação que fui lá para observar a vida de outras pessoas em outros habitats. Tipo zoológico mesmo. Eu só era mais uma estudante que ficava com os olhos curiosos pra cima de trabalhadores que estavam ganhando a vida como em qualquer outro dia. Pra mim era um dia de aprendizado, novidades e que em algumas horas ia acabar, mas pra eles era a vida, o ofício, que também acabaria em algumas horas, mas que no dia seguinte começaria de novo. E o segundo porque tudo que eu olhava lá parecia ser meu, eles pareciam conhecer mais coisas sobre mim do que eu imaginava. Mas é aí que a gente se equivoca. Não somos tão importantes como pensamos, ninguém liga na verdade pra o que produzimos, jogamos fora... São histórias que um dia foram interessantes pra gente.


Eu era a produtora daquele lixo, coisas que eu usava, que pra mim um dia foi útil, mas que cedo ou tarde ia ser descartado, e que passa pelas mãos de outras pessoas depois de jogado fora. É como se a vida útil das coisas aumentasse. Não. Na verdade a vida útil é a mesma, a gente que acha que não merece viver tanto assim, aliás, jajá tem um modelo novo no mercado.


Reflexões que só são permitidas serem feitas quando visto de perto o dia-a-dia de quem tira o pão pelo lixo que você produz.


Tanto sentimentos, tantas histórias, tantas conquistas aquele lugar trazia. E não me refiro aos objetos amontoados num canto como se nunca tivessem utilidade. E sim dos funcionários que com um pouco de papo e atenção, puseram uma ou duas palavras pra fora. Todos muito orgulhosos do magnífico trabalho que fazem.


Cada um de nós, estudantes e professores, fomos com o mesmo objetivo de observar, analisar, conversar e registrar, mas como tudo que é levado pro lado emocional, não foi do jeito que esperávamos, Foi melhor, ouso dizer.


Lágrimas rolaram, conversas duraram e histórias contaram. É incrível como em alguns momentos (maioria deles), o melhor a se fazer é sentar e escutar. "Olha, estou aqui. E sou todo ouvidos! Me diga o que quer que eu saiba." E a partir daí é só desfrutar, tudo é aprendizado.


Voltei pra casa com uma sensação de leveza, de gratidão por existirem pessoas assim. Eu sabia que a correria deles era intensa, mas depois de presenciar, ri dos meus pré-conceitos, a correria é interminável.


Agora é só ter esperança e torcer de longe. Eles dão conta. E se uma dia se sentirem incapazes, a "força divina", segundo eles, sempre estará lá. Até porque, como dizia uma frase numa lixeira de lá, "o homem recicla o lixo, e Deus recicla o homem".

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