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Coluna do Samuel

Donald Trump x Hillary Clinton: Uma análise da eleição presidencial norte-americana e as implicações

  • Samuel Campos
  • 14 de ago. de 2016
  • 7 min de leitura


A concretização da corrida presidencial estadunidense está se aproximando, a "odisseia" findará em novembro deste ano. Discutida há tempos, principalmente nos círculos mais antenados com a realidade norte-americana, o desígnio do próximo nome que passará a ser o centro da atenções na terra de Tio Sam suscita muitas discussões acaloradas nas mídias sociais: de um lado os apoiadores do bilionário Trump, candidato que pretende "construir um grande muro" separando o grandioso "american way of life" daquela explorada e condenada "manera mexicana de vivir"; e, por mais indigerível que este texto passe a ser para alguns a partir de agora, do mesmo lado, par-a-par daqueles apoiadores do beócio xenófobo, estão os entusiastas do Partido Democrata, ou seja, de Hillary Clinton.


O SONHO DEMOCRÁTICO ESTADUNIDENSE


Acredito que seja prudente, antes de um maior aprofundamento, explorarmos rapidamente o labirintítico sistema eleitoral norte-americano. Começo, então, pelo esquema para se inscrever como candidato: o registro tem que ser feito em cada um dos 50 estados, porque não há Justiça Eleitoral, nem nenhum órgão federal que controle a eleição. São os estados que legislam e podem haver critérios diferentes. Para se habilitar um hipotético candidato tem de entrar em contato com as juntas eleitorais constituídas pelos governos dos Estados ou por comissões de Republicanos e Democratas, que fazem de tudo para dificultar a inscrição de candidatos de outros partidos, principalmente daqueles que mantém um pensamento mais "progressista". É uma situação semelhante à da República Velha no Brasil, só que piorada!


Segundo um estudo científico de investigadores de Princeton, os Estados Unidos da América não exercem a democracia que pretendem ser, mas uma oligarquia em que "elites econômicas e grupos organizados, que representam interesses econômicos, têm impactos independentes na política do governo dos EUA".[1]

É bom lembrar ainda do caráter indireto da eleição nos EUA. O "primeiro-round" é a votação em delegados, escolhidos para participar de um colégio eleitoral, e são esses delegados que votam no presidente e no seu vice. No caso dos Republicanos, as opções eram: Donald Trump, Ted Cruz e Marco Rubio; e para os Democratas: Bernie Sanders e Hillary Clinton. E o problema se amplia no plano quantitativo, pois em determinados estados os delegados são escolhidos na base do "vencedor leva tudo", isto é, se um estado tem 10 votos e o vencedor ganha 51% dos votos, ele leva 10 e o perdedor zero, ao invés de, por exemplo, 6 a 4.


Já o "segundo-round", ou seja, as votações que ocorrerão em novembro, não acontecem em um final de semana, e não há a obrigação dos patrões liberarem os empregados para votar no dia da eleição. É muito comum, aliás, as fotos das enormes filas em bairros pobres. E quem organiza a votação são os governos dos estados. O diretor Michael Moore, em seu filme-documentário "Fahrenheit 9/11", levantou a polêmica do roubo das eleições do ano 2000, na Flórida, onde o governador era o Jeb Bush, irmão de George W. Bush.


Foto de novembro de 2012, em Virgínia


É importante levarmos em conta também que muitas vezes as cédulas não mostram a totalidade de candidatos, isto é, o papel que lista os concorrentes só evidencia alguns nomes. Mesmo assim, se o eleitor escrever o nome na cédula, é contado. Só que, claro, para isso o eleitor tem de saber previamente o nome. Não há propaganda eleitoral gratuita na TV, como no Brasil. E quem quiser aparecer, tem que pagar para as emissoras. A preço de ouro. Ou não aparece!


CLINTON, TRUMP E A GUERRA


O confronto de duas personalidades midiáticas de destaque dá ao público internacional amplo acatado de argumentos. Já se tornou comum, em todas as eleições, os defensores do "progressismo do Partido Democrata", ou como se acostumou chamar, "o mal menor", já que votar no Partido Republicano seria um perverso engano. Pois bem, em 2009 o presidente Obama estava de pé diante de uma multidão adorável no centro de Praga, no coração da Europa. Ele comprometeu-se a tornar “o mundo livre de armas nucleares”. Alguns aplaudiam, outros choravam. A seguir foi concedido a Obama o Prêmio Nobel da Paz. Como se pode imaginar, toda a ladainha era fruto da hipocrisia. Ele estava, simplesmente, mentindo. A administração Obama foi a que construiu mais armas nucleares, mais ogivas nucleares, mais sistemas de entrega de cargas nucleares, mais fábricas nucleares. Só os gastos com ogivas nucleares sob Obama ultrapassam os de qualquer presidente americano. O custo ao longo de trinta anos é de mais de US$1 trilhão. Nos últimos dezoito meses, a maior acumulação de forças militares desde a Segunda Guerra Mundial – liderada pelos Estados Unidos – está a verificar-se ao longo da fronteira ocidental da Rússia. Nunca desde que Hitler invadiu a União Soviética tropas estrangeiras apresentaram uma ameaça tão demonstrável à Rússia. O Partido Republicano de Trump não precisou mexer um "dedo" para tal.


Naturalmente, o Partido de Hillary persistiu com as medidas de guerra seguidamente durante todos esses anos, mesmo com a opinião contrária das camadas estadunidenses médias: A invasão da Síria e a transformação da Ucrânia – outrora parte da União Soviética – em um parque de diversões da CIA, um regime apodrecido por nazistas, literalmente.


Ucranianos entusiastas do novo governo


A balbúrdia midiática em cima do "lunático e grotesco Donald Trump", que traz consigo visões caricatas acerca das migrações, não procura colocar na conta de Barack Obama o rótulo de "Grande Deportador dos Estados Unidos". Este é o país que atacou e procurou derrubar mais de 50 governos, e bombardeou desde a Ásia até o Oriente Médio, causando a morte e privações a milhões de pessoas. Para alguns comentaristas, Donald estaria "suscitando as negras forças da violência nos Estados Unidos". Será mesmo? Esses analistas omitem, infelizmente, que a maior parte das guerras da América (quase todas elas contra países indefesos) foram lançadas não por presidentes republicanos, mas por democratas liberais: Truman, Kennedy, Johnson, Carter, Bill Clinton, Obama.[2]


Hillary, por exemplo, não poupa vocabulário para engrandecer suas ações enquanto Secretária de Estado de Obama. Ela participou da derrubada do governo democrático de Honduras[3] e sua contribuição na morte de Gaddafi, em 2011, e na destruição do estado de bem-estar moderno e laico da Líbia, foi quase prazeroso. Se questionada, Clinton exulta com orgulho: “Nós viemos, nós vimos, ele morreu”.


Diana Johnstone, em seu livro "Hillary Clinton: Rainha do Caos", expõe Hillary Clinton como a representante comprada e paga dos grandes bancos, do complexo militar e do lobby de Israel. Ela representará estes interesses, não aqueles do povo americano. O Deutsche Bank pagou-lhe US$485 mil por um discurso e o Goldman Sachs pagou-lhe US$675 mil por quatro discursos. O Bank of America, Morgan Stanley, UBS e Fidelity Investiments pagaram cada um US$225 mil.[4] E ainda segundo a International Business Times: "Sob Hillary Clinton, o Departamento de Estado aprovou vendas comerciais de armas no valor de US$164 mil milhões para 20 países cujos governos deram milhões à Fundação Clinton".[5]


Enquanto isso, Trump em seus discursos, inesperadamente para alguns, critica a corrida às armas, pretende reduzir o Orçamento de Defesa, fechar bases militares espalhadas pelo mundo e melhorar as relações com a Rússia e a China. Discorda do envolvimento dos EUA em novas guerras. Para ele a saída da crise passa pela economia, pela expansão do comércio, como coloca o jornalista português Urbano Rodrigues.[6]


O "FENÔMENO" BERNIE SANDERS


Outra figura de grande importância nessas eleições, mesmo agora se encontrando nos bastidores, é Bernie Sanders, o "candidato socialista do Partido Democrata". O "queridinho" dos progressistas passou o período inicial inteiro da campanha divulgando um discurso muito agradável aos ouvidos dos que se colocam à esquerda do espectro político. Contudo, como um canto de sereia que rapidamente traga o desatento ouvinte, o belo enunciado de Sanders cai por terra assim que Clinton é declarada a candidata dos Democratas. Bernie prometeu vigorosamente apoiar a candidata eleita nas primárias do partido.



De qualquer forma, mesmo antes desse acontecimento, já poderíamos analisar criticamente as posições do candidato derrotado. É um dos senadores que, por exemplo, não titubeou em votar pela utilização da violência contra países inofensivos. Para ele, Obama fez “um grande trabalho”.

Outras de suas opiniões merecem também destaque: Defende a permanência de tropas no Afeganistão[7], apoia a política de Obama de armar e apoiar a "oposição" Síria para derrubar o "brutal ditador" Assad[8], e, naturalmente, defende o "direito" de Israel "se defender" da "perigosa" resistência palestina![9] Sinceramente, acredito que muitos que defenderam Sanders e se consideram "de esquerda" não foram inteiramente informados do que está por atrás do "fenômeno".


Recentemente, aliás, o parlamento do país defendido pelo "socialista radical" aprovou a lei para cassar deputados acusados de “incitação contra os interesses de Israel”. O alvo do projeto é bem óbvio: parlamentares árabes e de oposição às políticas do governo chefiado pelo primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu.[10]


A EQUIVOCADA VISÃO FALSO-DICOTÔMICA


Contudo, ainda me depararei certamente com a seguinte pergunta: "Mas então em quem votar? Temos de analisar que, devido às circunstâncias estabelecidas, Hillary Clinton é o mal menor". E é justamente essa lógica que tem impedido, há décadas, a formação de um partido com um programa realmente transformador e relevante nos EUA! A noção bipartidarista estadunidense, ou seja, a disputa "Republicanos x Democratas" , só é tomada como certa por alguns, porque só esses dois têm chances de eleição a nível nacional. Ocorre que, por exemplo, em Seattle um partido trotskista elegeu uma vereadora, Kshama Sawant:


E o anseio pela construção do Poder Popular nos Estados Unidos não é e muito menos foi mero devaneio. No século passado, mais precisamente nos anos 70, um dos partidos mais importantes para o movimento negro nascia e se movimentava: O Partido dos Panteras Negras, de Angela Davis. Movimento conhecido por sua postura ofensiva em relação ao politicismo burguês e aos esquemas dominantes, que em nada beneficiavam a população pobre. E, ao mesmo tempo em que participavam das eleições, os militantes realizavam o trabalho de base em bairros negros como o Harlem e o Brooklyn, ajudando com vestimenta e comida aqueles que necessitavam.


A visão falso-dicotômica infelizmente desconsidera tudo isso. No mínimo ingenuidade, e, no limite, desonestidade e oportunismo.


AS DUAS CAPAS DE UM MESMO LIVRO


Concluo esse texto optando por não dar apoio a nenhum dos dois candidatos, como fez coerentemente William Blum em um recente artigo*, mas tratando de dar maior aprofundamento aos debates acerca do que está acontecendo nos Estados Unidos. Mostrar, por exemplo, que até mesmo Trump consegue ver para além das primeiras impressões: "Trump diz que Hillary é a fundadora do Estado Islâmico".[11] E que Hillary está pouco se importando com qualquer "sororidade" com as mulheres Sírias, que terão os dias contados caso ela se eleja.[12]


Derrubar ilusões sobre o regime norte-americano deve ser prioridade. Seja qual for o novo comandante da Casa Branca, Republicano ou Democrata, o controle da grande máquina de guerra ianque se manterá. A política externa militarista expressa interesses intrínsecos da estrutura política e econômica. O complexo industrial-militar sustenta ampla cadeia comercial.


Nenhuma das duas figuras representam a salvação para o declínio de status, instabilidade social, pobreza e marginalização. O discurso moral e aparentemente satisfatório é enganoso. Trump faz a amalgama esquerda-direita: apela à direita pró-militar, às elites dos negócios, aos mais velhos e conservadores. Porém, não passa de um nacionalismo-reacionário que nunca será a solução para as sucessivas crises que sucateiam cotidianamente o trabalhador americano.


 
 
 

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