Escrevo memórias doces da menina da vila do vale encantado.
Num exercício de teatro, daqueles em que se apagam as luzes, e correm, andam, param, se esticam…
De um lado pra outro, de dentro pra fora, avisto Flora, com aquela linda cabeça raspada.
Olho em seus olhos negros, olhos de Turmalina negra
Me apaixono pela rouquidão da sua voz
E ainda nem a ouvi falar…
“Novamente” diz o professor de teatro.
E desliga as luzes,repetimos o mesmo processo.
Dessa vez, depois de repetir o processo, temos que ficar parados, de frente pra quem estiver mais perto, no breu daquela sala
Não enxerguei, mas coincidentemente(ou não) parei de frente com uma mulher de cabeça raspada.
“Toque o rosto do personagem, toque o rosto, sintam-o, as mãos, os cabelos, os seios,o peito, o pulsar, o sexo, sintam-o”
Ouço.
Faço.
O calor da pele, a maciez das mãos, os cabelos crescendo, as orelhas frias, olhos fechados,tato ativo, sentidos aguçados
lambo a orelha esquerda
ouço um tamborzinho batucar no peito
chego mais perto dos lábios
misturo nossa respiração quente,sinto.
beijo-a.
com vontade,com sede.
até o fim do pote.
(mas não há pote)
Gosto de gente viva, viva!
lábios carnudos.
“Parem”
Paro.
Ligam-se as luzes…
“façam um círculo e andem”
Não há mais ninguém ao meu lado.
A moça careca sumiu de cá.
Desperto e entro no círculo e ando…
Avisto duas moças de cabeça raspada.
Me perco, não sei qual senti, toquei, beijei.
Qual era Flora?
Sorrio.
Gabriela Wara Rêgo.